O dinâmico Bàbáláwo Sandro Fatorerá
- O senhor é natural de onde? Como foi sua infância? E nasceu em qual berço religioso?
Sou natural do Rio de Janeiro, nasci na Base Aérea de Santa Cruz. Minha infância foi marcada por vários problemas de saúde, que fizeram com que eu sempre tivesse contato com a espiritualidade. A minha família paterna e materna era espírita. Eles conviviam com pessoas de várias religiões e também de várias ordens de iniciação, então eu sempre tive convivência com pessoas de maçonaria, católicos, evangélicos, candomblecistas e umbandistas, com muita harmonia.
- Em que momento da sua vida surgiu seu interesse pela cultura afro-brasileira e que idade o senhor tinha? Foi levado por alguém? Iniciado nesse momento ou mais tarde?
Sempre estive ligado, mesmo que indiretamente¸ às religiões afro-brasileiras. Minha mãe, mesmo grávida, frequentava terreiros. Com 19 para 20 anos, por motivo de saúde fui a um jogo de búzios, e ali foi dito que eu deveria ser confirmado para Ọbalúwáiyé. Já então com 22 anos, fui confirmado e me tornei Ogan na casa de mãe Jurema, na Vila da Penha. Esse Àṣẹ pertence à Venda Velha, Àṣẹ de Mãe Dila de Ọbalúwáiyé. Meu Bàbálórìṣà é Luiz Claudio de Ọbalúwáiyé. Depois de confirmado, meus problemas de saúde melhoraram. Lembro-me que quando eu fiz 23 anos, meu Bàbálórìṣà rompeu com a casa que nós pertencíamos, e fez obrigação no Àṣẹ Bamgboṣe, com Ìyá Irene de Bamgboṣe.
- Como foi o seu primeiro contato com Ifá?
Eu tive o meu primeiro contato com Ifá do sistema cubano pelo meu Bàbálórìṣà Luiz Cláudio. Esse era um conhecimento que muito me interessava, que eu lia e que muito ouvia falar, sempre admirando muito os escritos e pesquisas de Pierre Verger, por este motivo quis procurar e aprender mais profundamente a cultura yorubá.
- Como conheceu seu Bàbáláwo? Fale um pouco sobre ele.
Eu sentia cada vez mais a necessidade de ir "direto a fonte', sentia-me mais atraído a caminhar dentro das tradições antigas”. Procurei sempre ter contato com pessoas mais velhas, ouvir histórias dos antigos, buscando sempre o culto de Ifá. Por este motivo comecei a estudar a lingua yorùbá. Conheci então, o Bàbáláwo Afisi Famuiwa, vindo da Nigéria da cidade de Abẹ́òkúta.
Este encontro foi um divisor de águas na minha vida. Ele jogou para mim e me identificou como uma pessoa, dentro do caminho de Ifá. Eu tinha na época 25 anos. Fui iniciado no Ìgbodù Ifá e me preparei para me tornar um Bàbáláwo. Até hoje eu sigo não somente os conselhos de Ifá como também os conselhos do meu Olúwo, que é meu grande orientador espiritual.
Ele é a pessoa que é minha referência como ser humano, como sacerdote. Fui muitas vezes à África buscando contato direto com a cultura yorubá para que pudesse compreender e identificar as influências das religiões dentro dos cultos afro religiosos no Brasil. Hoje eu digo que a Nigéria vive dentro da minha casa, pois recebo as pessoas de lá com muita alegria, nos juntando com os adeptos dos cultos dos Òrìṣà (Orixás). Nunca deixei de ser Ogan, continuo com meus deveres sendo cumpridos anualmente com meus Orixás, e com meu Bàbálórìṣà. Eu não troquei o Brasil pela África, eu acrescentei.
- O que lhe levou a desenvolver trabalhos coletivos, em prol das religiões afro-brasileiras?
Eu percebi com o passar do tempo, que um dos maiores problemas da nossa religião é a falta de informação. Não estou dizendo que falta conteúdo, mas faltam informações que ficam às vezes dentro de alguns grupos e não são divulgadas. As pessoas misturam o que é segredo e o que é informação. A informação tem que ser passada, pois estamos no século 21, e não podemos viver como se fosse num gueto.
Nossas instituições visam à divulgação da própria cultura yorubá, explicando qual é o papel e a visão dela em relação aos conceitos que nós temos. São informações apenas espíritas, católicas, e não informação da cultura yorubá.
O outro motivo é porque nós estamos acostumados a eventos ecumênicos e inter-religiosos. Também por não termos pessoas das matrizes africanas organizando esses eventos, onde somos sempre convidados. Eu gostaria que mudássemos isso. Eu gostaria que pudéssemos convidar e organizar nossos eventos e movimentos a partir da nossa ótica religiosa.
- Como surgiu o Afoxé, o Instituto, e a Revista Mistérios de Ọ̀rúnmìlá? Fale um pouco de cada um, e de sua equipe.
Nós organizamos o Afoxé Ọmọ Ifá, como um veículo de resistência para solidificação da cultura afro brasileira, e resgate da cultura africana, dentro do nosso convívio através do intercâmbio permanente com a Nigéria.
Queremos também propor a paz entre as religiões. O Afoxé Ọmọ Ifá busca divulgar nesse caminho a própria visão de Òrúnmìlà sobre a paz, onde uma pessoa não deve tentar alterar ou modificar a vida da outra, de acordo com o seu próprio interesse, só por achar que o ponto de vista daquela pessoa está errado e o dela é o certo.
O Iitab (Instituto Irê de Tradições Afro-Brasileiras) tem um trabalho social e educacional. Desenvolvemos projetos junto com comunidades, e com pessoas que estão em vulnerabilidade social. Nós fazemos pelas pessoas o que elas precisam, independente da religião. Esses projetos entre festas, eventos infantis e terceira idade, envolvem quase 1000 pessoas. Temos os cursos e palestras onde, através de meu conhecimento, passo informações e tradições, tanto para o povo religioso de matriz africana, quanto para estudiosos e pesquisadores. Esses cursos são abertos para todo tipo de público. Além disso, nós convidamos especialistas em assuntos afros para participarem desses eventos. Nossa ideia é transformar o Instituto em uma referência sócio educacional, de cultura de matriz afro brasileira.
A Revista Mistérios de Òrúnmìlà, o Afoxé e o Iitab eram sonhos antigos baseados na mesma filosofia de Òrúnmìlà, da interreligiosidade e da paz entre os seres humanos. Òrúnmìlà nos ensina, que quando chegarmos em uma outra terra que não é a nossa, um outro costume local, devemos nos adaptar as pessoas daquele local, e não querer fazer com que elas se adaptem a nós. Esse conceito é muito profundo, pois ele fala justamente onde não devemos querer modificar ou transformar a vida de alguém. Ele faz com que as pessoas aceitem umas as outras.
A Revista Mistérios de Òrúnmìlà, com muito orgulho é uma revista distribuída gratuitamente. Ela é colocada à disposição de qualquer pessoa independente de religião ou situação financeira. Nossos colunistas são antropólogos, historiadores e pesquisadores que não necessariamente estão ligados às religiões afro. Acho que é muito importante falarmos de interreligiosidade na nossa época, e a revista é nosso instrumento de comunicação direta.
Claro que ninguém faz nada sozinho, eu tive a ideia, mas depois vieram as pessoas concordando com o meu sonho e propósito. Tenho uma equipe enorme de pessoas que me ajudam sem nenhum retorno financeiro. Cada um disponibiliza um pouco do seu tempo para realização deste propósito.
- Planos para o futuro.
Eu tenho muitos planos, pois tenho muitas ideias ainda para colocar em prática. Talvez a que esteja mais próxima, que já está no forno é um canal no YouTube onde nós vamos falar de religiosidade, cultura e arte. Falaremos também sobre a parte jornalística ligada a parte religiosa. É um projeto novo que ainda estamos buscando o nome. Outro é um programa de rádio no mesmo caminho, em relação à paz, tendo o diferencial de ser feito por pessoas de matriz africana.
- Como o Senhor vê o momento religioso no país? Prevê alguma mudança ou ajuda?
O país e o mundo passam por um momento religioso conturbado. A fé está sendo questionada, seja através da ciência ou dos escândalos religiosos. Hoje, as pessoas questionam mais do que ontem.
Eu acredito que nesse momento as pessoas estão vendo a religião pelo aspecto econômico, em que o êxito financeiro virou como prova de fé. Muitos religiosos de religiões distintas estão vendo hoje seu fiel como cifrão, o que atrapalha muito o plano da espiritualidade e o sentido de religiosidade.
Eu acho que o momento é um momento tenso por causa das perseguições religiosas, um momento de guerra, onde as pessoas exiladas de guerra, que são guerras provocadas por questões pseudoreligiosas ou grupos pseudoreligiosos usam a religião para prejudicar a todos. Muitos países no mundo estão assim e no Brasil não é diferente. Nós vemos hoje um movimento de religiões, principalmente as neopentecostais perseguindo as religiões de matriz africana, onde nós questionamos se cada líder religioso segue a doutrina de um mestre, seja ele Jesus cristo, Buda ou Mohamed. Nós temos que encontrar nessas escrituras a ordem de perseguir as outras religiões. Nós temos que encontrar o ponto de equilíbrio para nos definirmos, se isso é uma vontade do homem que manipula a informação religiosa, ou se são os mestres dessas religiões os profetas que fizeram, ou fazem isso. Então, nós teremos que rever a opinião ou dos líderes religiosos ou dos próprios mestres. Será que esses mestres, sendo as pessoas especiais que eles foram, realmente incentivavam a perseguição o ódio e a discriminação? Eu questiono isso.
Eu acredito que no futuro, em especial para as religiões de matriz africana, a organização do culto no sentido de seus direitos só irá acontecer após a nossa religião estar organizada e representada não por representações políticas, mas sim com representações politizadas. Eu acredito que a religião e a política não devem se misturar. O Vaticano já teve essa experiência, em que não se encontra mais esse envolvimento em relação à candidatura de políticos de algumas religiões, porque já entenderam que esse é um processo que não se mistura, não dá para misturar política com religião, não dá para misturar economia com religião. Torço que volte a paz, que Òrúnmìlà possa ter sempre uma palavra através do Ifá, para ajudar todos nós, que estamos nessa luta.
- Mensagem final.
Gostaria de agradecer a você Paulo de Òṣàlá, pela oportunidade de contar um pouco da minha experiência de vida. Eu acredito que só através da união, da divulgação da nossa religião é que conseguiremos demonstrar toda beleza, irmandade e sabedoria que possuímos dentro das religiões de matriz africana.
Axé!