O baile das noites de luar no sobrado de Laranjeiras
- Paulo de Oxalá
- há 15 horas
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Foto: Sobrado de Laranjeiras – Pai Paulo de Oxalá
Fidalgos e damas de volta à Rua Ribeiro de Almeida
Há um sobrado que vejo da minha janela. Um casarão antigo, de ares aristocráticos, que domina silenciosamente a Rua Ribeiro de Almeida, em Laranjeiras. Seus traços neoclássicos, mesclados à arquitetura eclética e à cor amarelada, guardam mais que história. Guardam memórias que insistem em atravessar o tempo.
Projetado em 1891 por Vicente José Carvalho Filho e erguido em 1894, há muito não abriga seus antigos donos. Mas, das fases da lua crescente à cheia, é como se o passado decidisse se rebelar contra o esquecimento.
Falo aqui, sem receio, de algo que chamo de visão ou memória espiritual do tempo. O que ali se revela, visível apenas para quem tem olhos além dos olhos, é tão real quanto o próprio sobrado.
De minha janela, observo. E, sempre que o céu se veste de luar, um brilho diferente recai sobre o castelinho, como passei a chamá-lo, inspirado nos ilustres convidados desse evento que nomeei, comigo mesmo, de "O Baile das Noites Enluaradas".
O som das rodas das carruagens, antes abafado pelo tempo, ecoa novamente. Cavalos adornados com capricho, chegam guiados por cocheiros de casaca e cartola. Senhores de fraques negros e damas com vestidos esvoaçantes descem, sorrindo, conversando, como se jamais tivessem partido.
Lá dentro, a luz amarelada dos candelabros acende-se sozinha, refletindo nas paredes altas do grande salão. Na varanda, uma jovem, presença constante em todas as visões, surge, penteando seus longos cabelos negros, diante de um espelho invisível. Seus olhos percorrem a rua, como se, discretamente, também me visse.
De repente, um homem de cartola preta aparece. Desce do cavalo com a elegância de quem domina a cena. Seus olhos cruzam com os dela. Ela, então, põe um chapéu de plumas, segura as saias de seu vestido rendado e desce as escadas em direção ao salão.
Quando a orquestra, que não existe para o mundo dos vivos, começa a tocar, eles dançam. Dançam como se a eternidade coubesse numa valsa. Outros casais se juntam: chapéus, leques, luvas e sorrisos de quem jamais sentiu o peso do fim da vida.
O baile segue até as quatro da manhã. No compasso das músicas, entre risadas, conversas e flertes, tudo revive. É uma cena de outro tempo que se recusa a se perder no silêncio da história.
E então, com a mesma naturalidade com que surgiu, tudo começa a se desfazer. As carruagens partem, os cavalos somem no rastro prateado da lua, e o salão volta ao silêncio absoluto. As luzes se apagam. O casarão retorna ao seu estado de pedra e mistério.
Amanhã, quem passar por ali verá apenas um sobrado antigo, aparentemente desocupado, e talvez pense que é apenas mais uma relíquia do Rio Antigo resistindo ao tempo. Mal saberá que, sob certas luas, a história insiste em dançar.
Má ṣe ṣiyemeji ohun tí ojú rẹ̀ nikan rí. (Não duvide daquilo que apenas você tem o privilégio de ver.)
Axé para todos!
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