Vai fazer o santo ou vai ser iniciado?
- Paulo de Oxalá

- há 1 dia
- 3 min de leitura

Foto: Ìyàwó, o iniciado para Òrìṣà – arquivo de Pai Paulo de Oxalá
Qual é a expressão correta que identifica a pessoa consagrada no Candomblé?
Entre os muitos termos que circulam nas conversas sobre o Candomblé, um dos mais ouvidos é “fazer o santo”. A expressão, embora popular, carrega um equívoco conceitual. Na religiosidade de origem africana, uma divindade é parte de Olódùmarè, o Deus supremo, e dos elementos que compõem o ayé, o nosso mundo. Por essa razão, é inconcebível que um ser humano possa produzir ou confeccionar um Orixá. Não se faz nem se fabrica um Orixá. O que existe dentro do culto é a iniciação, um processo profundo de transformação e entrega à energia divina que rege a vida de cada pessoa. Essa energia se manifesta por meio de forças como Oxum, que é a água doce que acalma e dá fertilidade, Xangô, que é o trovão que faz justiça, Ogum, que é o ferro que abre caminhos, Yansã, que é o vento que move e renova, Oxóssi que é o alimento que sustenta, e assim por diante. Tudo isso mostra que o Orixá é uma energia viva e pulsante, não algo que possa ser criado ou fabricado.
Quando alguém se inicia no Candomblé, ocorre uma conexão espiritual. A pessoa passa por rituais sagrados que despertam e equilibram as forças do seu destino, colocando-a em harmonia com o Orixá que a rege. Esse processo é conhecido como iniciação e marca o nascimento espiritual de um novo ser dentro do axé, o campo de energia e poder sagrado da tradição africana.
Dizer que alguém “fez o santo” é uma simplificação popular. O correto é afirmar que a pessoa foi iniciada para o Orixá. A diferença vai muito além das palavras, pois carrega um valor de respeito e compreensão da teologia do Candomblé. Orixá não é algo que se cria, mas uma força com a qual se estabelece um elo de pertencimento. A iniciação representa entrega, aprendizado e aceitação do caminho espiritual proposto pelo Orixá.
Durante o processo de iniciação, o iniciado aprende sobre o culto, sobre o cuidado com o corpo e com a mente, porque ao ser iniciada a pessoa se torna templo do Orixá. Aprende também o valor do silêncio, da obediência, do respeito aos mais velhos e aos ancestrais. Aprende ainda que o tempo é um aliado fundamental na caminhada espiritual. Cada gesto, cada rito, cada folha, cada canto e cada oferenda têm significados profundos preservados ao longo de séculos de resistência e sabedoria ancestral.
Compreender a diferença entre “fazer o santo” e “ser iniciado para o Orixá” é compreender a própria essência do Candomblé. Essa religião não se apoia em criações humanas, mas em revelações da natureza e no respeito aos ciclos da vida. O iniciado passa a integrar uma família espiritual, carregando não apenas o nome do seu Orixá, mas o compromisso de honrar, aprender e transmitir o axé que recebeu.
Ser iniciado é muito mais do que participar de um ritual. É renascer para uma nova consciência, reconhecer a presença do sagrado em cada movimento e entender que o Orixá vive em tudo o que existe. Quando se alcança essa compreensão, o Candomblé deixa de ser apenas uma religião e se revela como uma missão de vida, onde o aprendizado é contínuo e a fé se transforma em celebração do equilíbrio entre o humano e o divino.
Por isso, ao ouvir que alguém “fez o santo”, é importante lembrar que, na verdade, essa pessoa foi iniciada para o Orixá. Essa iniciação é uma aliança espiritual com as forças que sustentam o mundo, uma escolha por viver com axé, sabedoria e respeito à ancestralidade.
Èmi ni ọmọ Òṣàlá nítorí náà mo ń tọ̀nà gẹ́gẹ́ bí àṣẹ rẹ̀ kì í ṣe gẹ́gẹ́ bí ìfẹ́ tìẹ̀mí. (Sou filho de Oxalá, por isso sigo as suas determinações e não as minhas vontades.)
Axé para todos!




Comentários