Salgueiro mergulha no Hutukara Yanomami em 2024
Enredo mostra a cultura de povo milenar
Segundo o líder religioso, Yanomami Davi Kopenawa, da comunidade Watorikɨ, no Amazonas, a palavra hutukara adquire sentidos diversos. Hutukara é o céu que desabou nos primeiros tempos, constituindo o plano em que nos encontramos, o urihi, a terra-floresta, um ser vivo povoado de viventes visíveis e invisíveis. É, portanto, o nome sagrado da terra atual que evoca o tempo-espaço primordial.
Os xapuri thëpë usam o termo hutukara para se referir ao céu atual, conhecido também como hutumosi.
Já na compreensão dos não indígenas, a palavra hutukara serve para denominar o planeta Terra, o mundo e o universo.
E reverenciando a cultura milenar dos povos originários, a Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, neste ano de 2024, traz a mitologia Yanomami para a Sapucaí, como um alerta ao mundo sobre os impactos do desmatamento e do aquecimento global.
Em entrevista dada a Milton Cunha, no RJ1, o carnavalesco Edson Pereira falou da responsabilidade que temos, em preservar a cultura indígena: "É muito importante o significado da palavra Hutukara que fala que nós sobrevivemos, nós estamos vivos, estamos aqui. E hoje, falar dessa essência tão forte, que dá origem ao nosso povo, não é somente falar de carnaval, é falar sobre quem nós somos, de onde viemos e como chegamos até aqui. Muitas das vezes, chegamos com uma dívida enorme com esse povo, que é o verdadeiro dono dessa terra".
Atualmente, a imprensa continua denunciando a presença do garimpo ilegal em Território Yanomami, que além de ser violento no desmatamento, também causa múltiplos impactos na vida dos indígenas, principalmente, na saúde de crianças e idosos.
Para a professora de história, Carolina Camargo, também conhecida como Carolina Potiguara, coordenadora da Secretaria de Cultura dos Povos Indígenas de Maricá, o Salgueiro traz uma grande mensagem para a Avenida.
“Além de significar ‘o céu original a partir do qual se formou a terra’, a palavra Hutukara esclarece toda uma cultura universal indígena, aqui, no caso, são os Yanomami. Como a palavra também teve a interpretação de planeta Terra ou mundo em que vivemos, ela explica que para os indígenas, existem lugares na terra que são sagrados e não podem ser mexidos. E a floresta é um desses lugares. Ao abordar esse assunto, o Salgueiro presta um grande serviço ao mundo, pois todos devem estar comprometidos com o bem-estar dos povos originários e com o futuro do planeta”.
Eu, Paulo de Oxalá, como amazonense, me lembro da história que minha mãe nos contava de um velho indígena, chamado Manoel Egeba, da etnia Munduruku, lá do Alto Tapajós, que falava que as árvores e as plantas são os cabelos da terra. E se você arranca os cabelos de uma cabeça, ela fica sem proteção. A analogia do velho indígena retratava o desmatamento existente nas décadas de 50 e 60. Ou seja, o problema é antigo e as autoridades parecem não dar a devida importância a essa triste realidade.
Ao vir para a Avenida com um enredo tão forte como esse, o Salgueiro mostra para o mundo o sofrimento dos povos indígenas e o perigo que o planeta passa com esse desenfreado desmatamento.
E como dizia o saudoso Quinho: "arrepia Salgueiro, pimba, pimba!"
Que o grito do Salgueiro não seja em vão!
Viva os nossos ancestrais indígenas, e salve o nosso planeta!
Axé!
Letra do samba enredo:
"É HUTUKARA! O chão de Omama
O breu e a chama, Deus da criação
Xamã no transe de yakoana
Evoca Xapiri, a missão...
HUTUKARA, ê! Sonho e insônia
Grita a Amazônia, antes que desabe
Caço de tacape, danço o ritual
Tenho o sangue que semeia a nação original
Eu aprendi português, a língua do opressor
Pra te provar que meu penar também é sua dor
Falar de amor enquanto a mata chora, (bis)
É luta sem Flecha, da boca pra fora!
Tirania na bateia, militando por quinhão,
E teu povo na plateia, vendo a própria extinção
"Yoasi" que se julga: "família de bem", (bis)
Ouça agora a verdade que não lhe convém:
Você diz lembrar do povo Yanomami em dezenove de abril,
Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome,
Quando o medo me partiu
Você quer me ouvir cantar em Yanomami pra postar no seu perfil
Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito, nem a pau Brasil!
Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom
Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom
Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso,
Não queremos sua "ordem", nem o seu "progresso"
Napê, nossa luta é sobreviver!
Napê, não vamos nos render!
YA TEMI XOA! aê, êa! (bis)
Meu Salgueiro é a flecha
Pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta
É um Brasil cocar!"
Foto: Hutukara Salgueiro e povo Yanomami - divulgação
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