Historiadora revela que estátua na Praça XI não é de Zumbi
- Paulo de Oxalá

- há 10 horas
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Foto: Pedro Bial, Ernesto Mané Jr e Carolina Morais – reprodução TV Globo
Pedro Bial recebeu Carolina Morais e o diplomata Ernesto Mané Jr.
A historiadora Carolina Morais fez uma revelação surpreendente no programa Conversa com Bial, exibido nesta quarta-feira, 5 de novembro. Durante a entrevista com o apresentador Pedro Bial, ao lado do diplomata Ernesto Mané Jr., ela contou que a estátua conhecida como Monumento a Zumbi dos Palmares, localizada na Praça XI, no Rio de Janeiro, não representa Zumbi.
Segundo a pesquisadora, a escultura é, na verdade, uma reprodução da cabeça de Orí Olókun, importante líder e símbolo sagrado do povo yorubá.
Carolina Morais, fundadora da organização The African Pride, criada com o marido nigeriano Ajoyemi Osunleye, explicou que, na década de 1980, o governo do Rio de Janeiro buscava uma imagem para homenagear Zumbi dos Palmares.
Sem uma representação visual conhecida do líder quilombola, optou-se por usar uma peça africana de grande valor simbólico — o Orí Olókun, cuja imagem original pertence à cidade de Ifẹ̀, na Nigéria. Assim, o busto foi instalado em 1987, durante a gestão de Darcy Ribeiro como secretário de Cultura e Educação.
A revelação feita por Carolina trouxe à tona uma história complexa que atravessa séculos e continentes.
A cabeça de Orí Olókun, levada da Nigéria por um europeu nos anos 1930, desapareceu por décadas e se tornou peça central em um episódio diplomático envolvendo o escritor e Nobel de Literatura Wọlè Ṣóyínká e o fotógrafo Pierre Verger.
No programa, a conversa seguiu além da descoberta.
Carolina e Ernesto Mané Jr. refletiram sobre a importância de olhar para a África não apenas como um referencial de passado, mas como um continente de futuro, defendendo que o Brasil precisa reconectar-se com suas raízes africanas para compreender melhor a própria identidade.
Revelação de Carolina Morais no Conversa com Bial
Pedro Bial:
O Nobel Wọlè Ṣóyínká tem uma história fascinante ligada a uma estátua nigeriana chamada Orí Olókun, que acabou se tornando uma réplica pouco conhecida no centro do Rio de Janeiro — o Monumento a Zumbi dos Palmares. O que essa imagem tem a ver com Ṣóyínká e com o Brasil? Esse busto, afinal, o que representa?
Carolina Morais:
Na década de 1980, quando a estátua foi instalada, Darcy Ribeiro era secretário de Cultura e Educação do Estado do Rio de Janeiro. Ele, junto com o Movimento Negro, queria prestar uma homenagem a Zumbi dos Palmares.
Mas havia um problema: não existiam imagens conhecidas de Zumbi, que viveu no século XVII. Durante a pesquisa, encontraram uma escultura que está no Museu Britânico — o Orí Olókun — e decidiram usá-la para representá-lo.
Desde então, para nós, essa imagem passou a ser vista como Zumbi. Já para os yorubás, ela continua sendo Orí Olókun, Rei de Ifẹ̀. É importante lembrar que essa peça é profundamente simbólica para o povo yorubá. Se os yorubás fossem uma nação — o que não são, já que compõem um dos principais grupos étnicos da Nigéria —, essa escultura seria o equivalente à bandeira nacional. É o símbolo máximo do orgulho de ser yorubá.
A peça foi levada da cidade de Ifẹ̀, na Nigéria, por volta de 1930, por um alemão. Depois disso, desapareceu.
Nos anos 1970, Pierre Verger, que já era Fatumbi e estudava profundamente os Orixás, estava como professor visitante na Universidade de Ifẹ̀. Durante uma conversa com professores locais, eles comentaram que ninguém sabia o paradeiro do Orí Olókun.
Então Verger disse: “Podem ficar tranquilos. Essa peça original está em Salvador, na casa do meu amigo Carybé. Ele está cuidando muito bem dela.”
Os professores ficaram surpresos e foram contar isso a Wọlè Ṣóyínká — que ainda não era Prêmio Nobel, mas já era um grande ativista e intelectual. Ṣóyínká então traçou um plano para “recuperar” a peça que estaria na casa de Carybé.
Ele veio a Salvador com o pretexto de convidar Carybé para fazer a curadoria de um festival de artes na Nigéria. Carybé, emocionado, recebeu Ṣóyínká e o professor Yaí, outro estudioso das relações Brasil-África.
Durante a visita, viram a peça na estante. Algum tempo depois, Ṣóyínká voltou sozinho ao cômodo dizendo ter esquecido sua bolsa, colocou o Orí Olókun dentro dela e desceu. Isso está registrado em sua autobiografia.
Pouco depois, inventou uma desculpa e disse que precisavam ir a uma reunião na embaixada. Alguém avisou que Pierre Verger estava voltando ao Brasil, e que era melhor partirem antes que ele percebesse o que havia acontecido.
O episódio virou um escândalo diplomático. Ṣóyínká telefonou para o presidente nigeriano Ọbàsàńjọ̀ e pediu: “Não deixe Pierre Verger embarcar antes que a gente saia daqui.”
Soldados foram enviados ao voo da Air France em que Verger já estava embarcado. O piloto não entendeu nada, o embaixador da França foi acionado, o presidente fingiu desconhecimento — um verdadeiro caos.
Enquanto isso, Ṣóyínká embarcou para Dakar, no Senegal, e foi até a Universidade de Cheikh Anta Diop para fazer testes na peça. E lá descobriram que não era o original.
Pedro Bial:
Meu Deus, que história! Isso dá um longa-metragem! É o filme que você quer fazer?
Carolina Morais:
Sim. Eu escrevi a primeira versão do roteiro e apresentei ao professor Ṣóyínká. Ele gostou muito e ficou profundamente emocionado. Disse que esse foi um dos episódios mais difíceis de sua vida.
Pierre Verger era um grande amigo, mas depois desse episódio, eles nunca mais se falaram. Verger mudou sua pesquisa da Nigéria para o Benim e nunca mais voltou ao território yorubá. Ṣóyínká carrega esse peso até hoje. Mas disse que a causa do Orí Olókun era maior — recuperar a peça era algo que transcendia o laço pessoal.
E foi por causa dessa história que descobriram que o original está, de fato, no Museu Britânico. Agora, que a peça completa 100 anos em 2030, os britânicos prometem devolvê-la à Nigéria.
Pedro Bial:
E vai ter final feliz?
Carolina Morais:
A gente quer acreditar que sim.
Pai Paulo de Oxalá:
Eu já tinha informações não oficiais sobre o fato, mas a confirmação trazida por Carolina Morais, de que a estátua da Praça XI, no Rio, representa um líder yorubá e não Zumbi dos Palmares, revela algo mais profundo. Essa descoberta nos convida a refletir sobre como o Brasil escolhe homenagear seus heróis e o quanto ainda precisa reconhecer e compreender a verdadeira história africana que ajudou a formar nossa identidade.
Salve Zumbi! Salve Orí Olókun!
Kò sí nkankan tó ń fi òtítọ́ hàn bí àkókò. (Nada como o tempo para mostrar a verdade.)
Axé para todos!




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