Como nasceram as religiões de matriz africana no Brasil
- Paulo de Oxalá
- 16 de abr.
- 3 min de leitura

Foto: Brasil e África - raízes unidas em cultos diferentes – arte Pai Paulo de Oxalá
O Candomblé revela que Brasil e África unem as essências em cultos diferentes
O culto às divindades africanas no Brasil se transformou em uma religião organizada: o Candomblé. Esta religião nasceu da união de práticas trazidas por diferentes povos africanos que, ao chegarem ao Brasil, foram obrigados a reorganizar suas crenças para sobreviver e manter suas tradições em terras estranhas. Diferente da África, onde os cultos aos Òrìṣà (Orixás), Voduns e Nkises são regionais e específicos, aqui eles foram reunidos, criando uma complexidade única. O Candomblé é fruto da dor, da resistência e da sabedoria de povos que, mesmo diante do apagamento forçado, mantiveram viva a memória dos seus ancestrais.
Na África, cultua-se majoritariamente uma divindade por região. A cidade de Ọ̀yọ́, por exemplo, reverencia Ṣàngó como rei ancestral. Em Ìré, Ògún é adorado como Onírè, e em Kétu, Ọ̀ṣọ́ọ̀sí é o caçador sagrado. Os rios também são importantes santuários: Ọ̀ṣun reina no rio Ọ̀ṣun, Ọbà no rio que leva seu nome, Ọya no rio Níger, Yemọja no rio Ògùn, e assim por diante. Esses rios simbolizam força, mistério e o feminino. Já os Òrìṣà Funfun, como Ọbàtálá, estão ligados à cor branca e à criação, sendo cultuados em Ilé Ifẹ̀, Ẹ̀fọ̀n e Èjìgbò. O mais cultuado em toda a África é Èṣù, o fiscalizador do comportamento humano, com templo em Ilé Ifẹ̀.
Com a diáspora forçada, povos africanos de três grandes troncos étnicos — yorubás (nagôs), jejes (fon-ewé) e bantus (kikongo e kimbundu) — foram trazidos ao Brasil. Os yorubás e jejes chegaram em maior número à Bahia, onde fundaram os primeiros terreiros. Já os bantus, que vieram em número ainda maior, se espalharam principalmente pelo Sudeste e Norte do Brasil, influenciando profundamente a cultura e a religiosidade locais.
No antigo reino do Dahomé, o povo fon-ewé cultuava os Voduns, divindades que regem fenômenos da natureza como serpentes, trovões, fogo, terra e água. Este culto chegou ao Brasil e se organizou como Candomblé Jeje, com casas como a Casa das Minas, no Maranhão, fundada por Na Agontimé, uma rainha do antigo Daomé. Os Voduns têm símbolos como o arco-íris, o gavião, a pantera, e se agrupam em famílias como a de Sàkpátá (terra) e a de Gbèsèn (serpente). A fusão com os Orixás originou o culto Jeje-Nagô, no qual Ògún, Ṣàngó, Yemọja e outros também são celebrados.
Os bantus trouxeram uma espiritualidade própria, baseada nos Inkices e na comunicação com os ancestrais. Suas influências se refletem no jongo, no samba, no carnaval e também na criação da Umbanda — religião brasileira que mistura elementos do Candomblé, do catolicismo, do espiritismo e das tradições bantu. A Umbanda é um reflexo claro da adaptação sagrada: uma religião embasada na ancestralidade africana, porém com costumes bem brasileiros.
A adaptação do culto aos Orixás no Brasil se deu também por meio do sincretismo com o catolicismo. Assim, Oxalá foi relacionado com Jesus Cristo, Yemanjá com Nossa Senhora, Xangô com São Jerônimo, entre outros. As festas religiosas africanas se fundiram com as brasileiras, como a Festa de Yemanjá, em Salvador, celebrada no mar — ainda que, na África, Yemọja seja divindade de rio. A Festa do Bonfim, que homenageia Oxalá, une fiéis de matriz africana e católicos em uma celebração única de fé e resistência cultural.
Na linguagem, a presença africana é igualmente marcante. Palavras como acarajé (de àkàrà), quizila, moleque, dendê, samba e tijolo mostram o quanto as línguas bantu, fon e yorubá moldaram o português falado no Brasil. Na culinária, pratos como feijoada, moqueca, vatapá, caruru, angu e o uso de ingredientes como o dendê, o quiabo e o maxixe revelam a herança direta das cozinhas africanas.
Assim, a diferença essencial entre os cultos africanos e o que se estruturou no Brasil está na diversidade e na integração. Lá, cada povo cultua sua divindade dentro de um contexto étnico e geográfico definido. Aqui, as divindades foram reunidas, organizadas em casas religiosas com estrutura hierárquica e liturgias bem definidas, com calendário de festas e ritos iniciáticos. O Candomblé não é uma simples reprodução das religiões africanas — ele é uma reformulação e preservação do sagrado, nascido do encontro, da dor, da resistência e da esperança. É a África que floresceu em solo brasileiro.
Láàyè àwọn ẹ̀sìn ọmọ Áfíríkà ní Ilẹ̀ Brazil! (Viva as religiões de matriz africana no Brasil!)
Axé para todos!
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