Livro mostra os bastidores da Universal e relata ataque às religiões afro-brasileiras
O livro “O Reino – a história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal” do jornalista e escritor Gilberto Nascimento, lançado pela Companhia das Letras, mostra como o polêmico líder religioso combateu as religiões de matriz africana e, ao mesmo tempo, absorveu parte dos elementos dessas religiões em seus rituais, para supostamente afastar o demônio e outros espíritos malignos.
Bem documentado, o livro é importante para entender o Brasil de hoje, pois relata os imbróglios e controvérsias envolvendo a Universal e o bispo Edir Macedo, desde a fundação da instituição, em 1977, até os dias atuais, quando a igreja sacramenta uma poderosa aliança entre política e religião, tornando-se uma ativa parceira e apoiadora do governo Jair Bolsonaro, com papel relevante, inclusive, na eleição do atual presidente.
O autor investigou a poderosa estrutura da Universal e a sua influência na política, na mídia, na sociedade e no meio empresarial. Edir Macedo, afinal, é o único brasileiro a ter sob seus domínios uma igreja, uma rede de TV (a Record), um banco e um partido político.
Gilberto Nascimento detalha a prática dos pastores da Igreja Universal, de se utilizarem dos ritos da Umbanda e do Candomblé, como por exemplo em determinadas reuniões, chamadas por eles de ‘sessões’, de abandonarem o paletó e a gravata e vestirem roupas brancas, trajes comuns às religiões de matriz africana.
Numa fabulosa pesquisa, o livro traz toda a trajetória de Edir Macedo, como o seu contato com o Espiritismo e a Umbanda, e também quando ele afirmou ter frequentado um Centro Espírita três vezes por semana no Rio de Janeiro. Segue ainda revelando como Macedo passou a ter aversão por espíritos e divindades.
Como Macedo criou a Universal e o seu período de ascensão nos anos 1980, quando o discurso de pregação de Edir era que os brasileiros estariam dominados e escravizados por demônios, e que por isso suas vidas estavam amarradas, sem saúde e sem progresso financeiro. Durante o seu discurso, ele relacionava esses problemas e demônios à Umbanda, ao Candomblé e o Espiritismo.
Ainda, o primeiro espaço que Macedo obteve em um veículo de comunicação foi um programa de 15 minutos em horário alugado na Rádio Metropolitana do Rio de Janeiro, em 1978. Gilberto Nascimento narra que Edir provocava e atacava a Babá de Umbanda, Ivete Brum, que o antecedia na programação da emissora. Procurava, assim, alavancar a sua audiência.
Macedo lançou livro de ataques em 1986
No púlpito da Universal, os cultos afros e o espiritismo eram diminuídos, espezinhados. Em 1986, Macedo intensificou o seu bombardeio às religiões afro-brasileiras. Lançou o livro “Orixás, Caboclos e Guias – Deuses ou Demônios” (Editora Unipro). A obra, com mais de três milhões de exemplares vendidos, pretendia, segundo o texto de apresentação, denunciar “as manobras satânicas através do kardecismo, da Umbanda, do Candomblé e de outras religiões similares”.
A polêmica em torno do livro acirrou-se e foi parar na Justiça. Adeptos de religiões afro-brasileiras questionaram o seu teor. Uma ação civil pública foi movida na Bahia. A obra foi considerada pelo Ministério Público “degradante, injuriosa, preconceituosa e discriminatória” em relação às religiões de matriz africana.
A venda do livro foi suspensa em 2005, mas um ano depois o Tribunal Regional Federal da 1ª. Região o liberou, alegando que a proibição contrariava o princípio da liberdade de expressão, garantido pela Constituição.
Macedo foi processado também pelo Conselho Nacional da Umbanda e dos Cultos Afro-brasileiros por calúnia, difamação, vilipêndio e instigação ao crime e teve de prestar depoimentos à Justiça em 1989 e 1992.
Anos depois, as sessões de descarrego da Universal viraram espetáculo na TV. O descarrego é um pretenso exorcismo, um ritual para afastar supostos espíritos malignos. As imagens colhidas nos templos são exibidas pela TV Record, geralmente em transmissões nas madrugadas.
Rituais como o descarrego atribuem às religiões de matriz africana a responsabilidade por todas as mazelas do planeta, como mostra o livro “O Reino”. Reforçam preconceitos e estereótipos e ainda incentivam os ataques e depredações a templos afro-brasileiros, conforme denúncias.
A intolerância sem limites
Foi mais uma polêmica levada para os tribunais. Depois de 14 anos de disputa judicial por causa de exibição de cenas consideradas ofensivas, a TV Record e a então Rede Mulher (atualmente Record News) foram condenadas pelo Tribunal Regional Federal de São Paulo, em abril de 2018.
A Justiça obrigou cada uma das emissoras a dar direito de resposta aos adeptos dos cultos afros, por meio de quatro programas, em horário nobre, num total de 16 horas de programação. Os autores da ação afirmaram sofrer “constantes agressões” por adeptos de outras crenças. Sacerdotes da umbanda e do candomblé eram chamados de “pais e mães de encosto” e os Orixás eram tratados como demônios.
O processo foi movido pelo Ministério Público Federal, Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro- Brasileira e Centro de Estudos das Relações de Trabalho (Ceert). Outras ações envolvendo a igreja por acusações de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e estelionato são abordadas no livro “O Reino”.
Lavagem de dinheiro
"Além de iludir fiéis com 'discursos maliciosos de seus pregadores', Edir Macedo e os outros três integrantes da Universal, na avaliação do procurador, se aproveitaram da imunidade tributária garantida pela Constituição e usaram um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo empresas de fachada no Brasil e no exterior. Os recursos voltavam ao Brasil na forma de empréstimos feitos pelos chamados laranjas de Macedo."
"As cenas haviam sido gravadas em 1990, e as conversas, tornadas públicas, reacenderiam as críticas à igreja em todo o país. Numa delas, o bispo Macedo, com um ar entre satisfeito e debochado, encarando a câmara, aparecia em uma igreja em Nova York contando dólares ao lado de Honorilton Gonçalves. Em outra, num campo de futebol de um hotel em Salvador (BA), ensinava técnicas para conseguir arrancar dinheiro dos fiéis. Dava dicas e repassava estratégias aos subordinados."
Palavras da saudosa Mãe Beata de Yemanjá: A ko fẹ lati jẹ ki a duro ṣugbọn ki a bọwọ fun! (“Não queremos ser tolerados e sim respeitados!”)
Axé!
Fonte: Gilberto Nascimento, autor do livro: “O Reino – a história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal”. Editora: Companhia das Letras.
Foto: Bernardo Guerreiro. Capa: divulgação.
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