Hoje, 2 de maio, saudade e respeito à bênção e aos 100 anos de Mãe Stella de Oxóssi
- Paulo de Oxalá
- 2 de mai.
- 3 min de leitura

Foto: Pai Paulo de Oxalá e Mãe Stella de Oxóssi em 2015 – acervo - Pai Paulo de Oxalá
Mãe Stella construiu uma trajetória de fé, cultura e resistência que marcou o Brasil
Foi em um sábado, 10 de janeiro de 2015, entre 10h e 11h da manhã, que cheguei à casa de Mãe Stella de Oxóssi, no Ilê Axé Opô Afonjá, para uma conversa para o blog.
Aguardei, e, após alguns minutos, ela desceu devagar as escadas da linda sala, sentou-se em sua cadeira e fez um gesto para que eu me aproximasse. Ajoelhei-me ao seu lado, como é de nosso costume com os mais velhos na fé, e estendi a mão para tomar-lhe a bênção.
Naquele instante, recebi um gesto que permanece entre os mais sagrados e inesquecíveis da minha trajetória: com suas mãos suaves, Mãe Stella segurou minha mão e a levou aos lábios. Disse, com serenidade:
— “Você representa Oxalá, e é a ele que eu tomo a bênção.”
Fiquei surpreso. Mesmo conhecendo a importância do meu Pai Oxalá, não esperava ouvir palavras tão simbólicas de alguém com o reconhecimento e a história de Mãe Stella — uma referência do Candomblé e da luta por dignidade religiosa.
— “Agô, Mãe! Eu é quem tem que bater cabeça à Senhora.” — respondi, com a alma em silêncio e o coração em luz.
Esse gesto, singelo e profundo, dizia muito sobre quem era Mãe Stella: uma liderança que ensinava com atitudes, firmeza e simplicidade, sem ostentação, com uma sabedoria que transbordava nos detalhes.
Naquela manhã, conversamos de forma direta, sem formalidades. Dias antes, havia lido na coluna de Ancelmo Gois que Frei Betto, autor de mais de 60 livros, havia sugerido o nome de Mãe Stella para uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Ela, autora de oito obras marcantes, já ocupava uma cadeira na Academia de Letras da Bahia. Quis ouvir sua opinião sobre a homenagem.
— “Sinto-me honrada. Acho que foi muita generosidade da parte dele. Se cada um fizer sua parte, construiremos um mundo mais amável e com maior respeito.” — respondeu, com a lucidez de quem conhece o próprio papel na história.
Falamos também sobre um de seus projetos mais tocantes: a Ânimoteca, um ônibus adaptado como biblioteca itinerante, que levava livros ligados à espiritualidade e à diversidade cultural pelas comunidades da Bahia. A ideia, como me contou, nasceu de um grito ouvido na rua:
— “Aqui se compram até ilusões.”
Daquele impacto surgiu uma reflexão, um artigo e, mais tarde, a mobilização de amigos para a compra do primeiro ônibus.
Batizado de Ânimoteca — numa junção de “ânimo” como alegria e “ânimo” como essência divina — o projeto foi lançado em setembro de 2014, no mesmo dia do lançamento do livro As Folhas Cantam (Para Quem Canta Folha).
Mais do que distribuir livros, a Ânimoteca semeava conhecimento e diálogo entre religiões, saberes e povos.
A ação fazia parte do projeto Encontro Colorido da Espiritualidade Baiana, que promovia cultura, poesia e imagens de afeto — como murais com pessoas se abraçando. No dia 21 de janeiro, Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, o ônibus promoveria um recital com cânticos e poesias no terminal do Ferry-Boat, em Salvador.
Mãe Stella não era apenas a Yalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, um dos terreiros mais respeitados do país. Era também uma mulher que fez da escrita um instrumento de resistência e da fé um projeto coletivo. Seu legado ultrapassa as fronteiras do Candomblé — é patrimônio do Brasil.
Neste 2 de maio, cem anos após seu nascimento, recordo com saudade essa manhã que me marcou. Recebi a bênção de uma mulher que, mesmo coroada pela ancestralidade, não hesitou em reverenciar com humildade o Orixá do outro.
A força e o legado de Mãe Stella de Oxóssi seguem vivos — em cada palavra, em cada gesto, em cada sonho que vira ação. Ela acreditava em um futuro melhor para a religião dos Orixás, e jamais deixou de sonhar.
Como ela dizia:
— “Nà àlá sí bèrè tání mú se!” – O sonho é o começo da realização.
Axé, Mãe Stella. Sua bênção segue nos conduzindo.
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