Apresentador Alexandre Henderson conta os bastidores do Programa Vim de Lá
Programa da Rede Globo reconecta o Rio de Janeiro com Angola
Além da ajuda na construção religiosa e cultural do Brasil, os antigos africanos que desembarcavam na Praia da Armação em Salvador e no Cais do Valongo no Rio de Janeiro, deram uma identidade bem africana a essas importantes cidades.
Em Salvador, o Largo do Pelourinho e o Bairro de Itapuã, foram cenários de momentos marcantes para a preservação da força afro. Foi em Salvador, que foram plantados os primeiros axés dos cultos afro em nosso país, com destaque para os africanos de origem yorubá, que organizaram esse modelo religioso de culto, que foi chamado aqui de Candomblé.
Já no Rio de Janeiro, a região portuária que abrange desde a Praça Mauá e Pedra do Sal até ao Bairro da Cidade Nova, foi denominada de ‘Pequena África’, pois ali no Cais do Valongo, desembarcaram africanos de várias etnias, mas principalmente de origem bantu que enriqueceram a vida social e religiosa da cidade.
Os bantus no Rio, além de influenciar na linguagem e na culinária, também influenciaram em ritmos como o samba e o funk, que se tornaram marcas cariocas, e ganharam o mundo.
E foi procurando mostrar essas raízes africanas que correm em veias cariocas, que o repórter e apresentador Alexandre Henderson dirigido e acompanhado pelo jornalista Chico Regueira com uma equipe da Globo, desembarcaram em Luanda, capital de Angola, para gravarem o programa ‘Vim de lá’ que mostrou a intensa ligação cultural entre essas cidades.
O programa foi ao ar na TV Globo, no 25 de novembro, e apresentou uma bela história, que termina em um Terreiro de Candomblé no Rio, reunindo sacerdotes e filhos de santo das três principais etnias: Kétu, Jeje e Angola, dançando ao som da bateria da Portela, um autêntico samba carioca.
Mas para detalhar como foi essa viagem, nós conversamos com o repórter a apresentador do ‘Vim de Lá’, Alexandre Henderson:
Blog: Alexandre, como foi para você vivenciar a cultura de um país, no caso Angola que ajudou na formação cultural do Brasil, em particular no Rio de Janeiro?
Alexandre Henderson: foi um mergulho profundo. Era um sonho, que foi realizado através do meu trabalho.
Foi minha primeira visita à África, emoção à flor da pele. Falar sobre os nossos ascendentes, que vieram para cá na condição de escravizados, mexe muito com a gente. Por outro lado, estamos aqui porque houve muita resistência. Foi tudo muito emocionante, sobretudo pisar no chão que foi rota da vinda deles para cá. Você vai a Luanda e enxerga semelhanças com o Rio no jeito de ser das pessoas, o sorriso largo, a composição das famílias, sobretudo negras, a figura da mãe preta solo… O Rio tem um quê de Angola. Voltei para o Brasil mais ciente ainda do quanto as narrativas a respeito da escravidão precisam ser ditas. Nosso país tem, sim, uma dívida histórica com o povo preto.
Blog: como no kuduro você conseguiu ver o nosso Funk? Batida, letra, dança?
Alexandre Henderson: a gente pode dizer que o kuduro é o primo angolano do funk carioca. É um ritmo que nasceu nos musseques, que são as favelas de Luanda. Música preta, feita por gente humilde, que imprime nas letras, assim como no funk, os dilemas do dia a dia, a luta pela sobrevivência, a opressão, a dificuldade de ter o pão de cada dia. O ritmo tem a pegada frenética do funk. Eles dançam a 220 volts, quebram tudo, como os funkeiros dos bailes cariocas.
Blog: as famílias: algo comum com as famílias cariocas?
Alexandre Henderson: o que mais me chamou atenção é a composição familiar. Bem parecida com a nossa realidade, sobretudo das famílias mais humildes. Pais, tios, irmãos, primos, moram no mesmo terreno. São núcleos familiares grandes. Casas onde vivem muitas pessoas. Assim como aqui, lá a figura da mãe solo tem destaque na estrutura de uma família. Mulheres guerreiras, que vão à luta pela sobrevivência dos filhos. Mães pretas que cuidam da casa sem a presença física e financeira dos ex-companheiros. E não deixam a peteca cair. Como a dificuldade é grande, é perceptível a rede de solidariedade dentro das famílias. Tios ajudando sobrinhos, irmãos dando força prá primos. A luta pela sobrevivência gera laços de união fortes.
Blog: Religião, fé: referências em Angola. Restinga de Mussulo-Angola? Algo não veiculado no Programa?
Alexandre Henderson: não tive contato com a religiosidade africana propriamente dita. Percebi que lá, assim como no Brasil, há um número grande de católicos e evangélicos. Não vi qualquer templo ou comércio específico, como se vê aqui no Rio de Janeiro, que venda produtos religiosos. No Rio se bate mais tambor do que em Luanda.
Blog: Brasil-Rio de Janeiro: A importância da Pequena da África e do Cais do Valongo?
Alexandre Henderson: a Pequena África é a história viva do Rio de Janeiro. No Cais do Valongo houve o desembarque de mais de um milhão de negros que chegaram aqui na condição de escravizados. Um sítio arqueológico que foi revelado em 2011, quando aconteceram as obras do Porto Maravilha. Um lugar que passou por vários momentos de apagamento. Naquelas pedras silenciosas, muita gente gritou, chorou e pisou com dor física e moral. É preciso que as escolas levem os alunos à região. A educação pode ser um caminho para que a questão do negro no Brasil seja tratada com reflexão e o devido respeito.
Blog: bastidores do Cemitério dos Pretos Novos?
Alexandre Henderson: foi chocante o passeio no Cemitério dos Pretos Novos. Corpos que foram triturados, sem respeito algum aos ritos de passagem. Da um nó na garganta, sentimento de repulsa ao que foi a nossa história, dor pelos que se foram de uma forma tão covarde e cruel. Debaixo do piso da região da Pequena África, certamente, há muitas histórias por vir. Muitas narrativas estão enterradas, mas o tempo há de trazer à tona o que foi silenciado.
Blog: no Terreiro: o aprendizado com os bastidores?
O encontro das nações Ketu, Jeje e Angola foi lindo. Uma amostra de que é preciso união das religiões de matriz africana. Foi um encontro extremamente emocionante! Mostrar ao público de onde saíram os povos dessas nações foi incrível. E, ainda, entender que no Rio de Janeiro houve um encontro de Áfricas que não aconteceu nem no outro lado do Atlântico. Tenho certeza de que grande parte do público desconhecia isso. O Rio é banto, mas é também nagô. Tem influência de países como Nigéria, Costa do Marfim, Serra Leoa, Gana, Libéria, Benin, Moçambique e por aí vai… O Rio se formou nesse caldeirão cultural. Avalia Alexandre Henderson.
O programa Vim de Lá, é um grande mosaico de força e resistência, pois mostra na essência, a influência do povo bantu no jeito de ser do carioca, e também a atuação deles nos ritmos culturais e religiosos da população do Rio.
Ditado bantu: Nzambi beká kùsàngana níkutúluka kua muxíma kíosó maíalá!(Deus traga felicidade e paz aos corações de todos os homens!)
Aueto!
Programa ‘Vim de Lá’ disponível no Globoplay:
Fotos: Léo Rosário e divulgação Globo
Gestão: Assessoria de Comunicação / TV Globo
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