Um àkàsà pela paz!
O àkàsà, mesmo que ẹ̀kọ, é a comida litúrgica do Candomblé servida a todos os Òrìṣà, feita a base de farinha de milho branco cozida em água até transformar-se em um mingau e depois envolvida em folha desidratada de bananeira (ṣáfẹ̀), podendo ganhar forma de pirâmide, ou travesseiro, conforme a tradição da Casa.
Os principais rituais de Candomblé usam o àkàsà como elemento indispensável. Representa o corpo. Em sua forma piramidal, o àkàsà aponta para o céu, como que mostrando ao Homem a direção do Criador.
O àkàsà só deve ser desembrulhado no momento do rito, como que desnudando o corpo para a beleza do etéreo.
Sua cor imaculadamente branca remete à cor de Òṣálà: o branco da pureza, o branco do início e do final de cada ciclo.
No momento atual, enfrentamos certamente a maior crise social na área de segurança pública. Vivemos em um estado permanente de caos. Uma guerra urbana travada e desnudada, sem qualquer perspectiva concreta de solução a curto prazo. Homens e mulheres, civis e militares, militantes, ou não, expostos a riscos diários, em todos os locais, podendo ser vitimados de várias maneiras.
Diante deste quadro, o pior a fazer é considerar esta situação como “normal”, “corriqueira”, ou “banal”. Sobretudo, para nós que nos dizemos religiosos, adeptos de uma crença que suportou e suplantou a escravidão, a tortura, o preconceito e a intolerância.
É preciso fazer alguma coisa! Não podemos ficar inertes esperando que a solução apareça de forma “milagrosa”, ou que algum “messias moderno” surja com uma fórmula mágica e regeneradora. Sem esforço, sem luta, sem empenho, não haverá o fim desta situação.
Evidente que as medidas devem ser muitas, paulatinas, sucessivas, ou conjuntas. Seja no campo específico da segurança pública, na reforma política, na estabilidade econômica, seja (principalmente) na educação. Mas estas providências se desenvolvem a curto, médio e longo prazo. No entanto, independentemente desta consciência, entendo também necessário usarmos da ferramenta da fé. Aquela que nos inspira, nos movimenta, nos fortalece.
Se somos adeptos das religiões de matrizes africanas, precisamos nos inspirar em nossos ancestrais! Precisamos agir, resistir e também rezar. Rezar unidos. Independentemente de Nação, da Raiz e de Região. Somos todos partes de um grande “corpo social”. Um único compêndio sócio-cultural-religioso, que auto denominamos de Candomblé.
Falamos tanto em união... Pois este é o momento oportuno para exercitarmos a conquista deste cobiçado troféu.
Mais como diz um adágio yorùbá: “Nì fé kí Ọlọ́run fé!” (seja feita a vontade de Deus!) e nada é por acaso, líderes religiosos se reunirão no último dia, 25 de março, e fizeram um ato religioso denominado: De Èṣù a Òṣàlá, Um Àkàsà pela Paz! Compartilhamos com a ideia dos nossos irmãos, e enfatizamos que o àkàsà é o único alimento litúrgico que une todo o Panteão das divindades. De Èṣù a Òṣàlá, todos os nossos deuses comungam igualmente do àkàsà. Não importa a regência, a origem, a idade, o sexo, a cor dos paramentos, nem os diferentes símbolos, ou rivalidades. Todos se unem à mesa pelo àkàsà. Que seja então o àkàsà nossa inspiração. Sigamos o exemplo dos próprios deuses que cultuamos, e desses irmãos que tiveram força para iniciar um movimento nosso pela paz do coletivo.
Que o Povo de Santo se una em busca da paz, superando quaisquer desavenças, discordâncias, ou concepções distintas. Um àkàsà pela paz!
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Márcio de Jagun
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